Cidade Sintrópica
Por Macello Medeiros, PhD.
Olhar e entender a cidade não é uma tarefa muito fácil. Para aqueles que apenas transitam e/ou trafegam, sem perceber a infinidade de informações que uma caminhada (De Certeau) oferece, a experiência pode não fazer qualquer diferença no seu dia-a-dia. Acredito que olhar e entender uma cidade são habilidades que são adquiridas, algo que venho tentando fazer nestes últimos anos como pesquisador. É como ter que aprender a perceber a nuance dos timbres em uma música, as diferentes tonalidades de luz e cor em uma fotografia ou pintura, as técnicas de montagem das cenas em um filme, etc. Entender a cidade exige uma imersão em sua geografia, em sua diversidade cultural, em sua malha viária, em sua rotina… São muitas “cidades” dentro de uma e, muitas vezes, elas são caóticas!
Se focalizarmos em um aspecto da cidade como o fluxo de informação, percebemos uma gama repleta de dados provindos de diversas origens, desde os meios de comunicação de massa – rádio, jornal, TV – até aquelas mais informais que surgem no discreto bate-papo no ponto de ônibus referente ao “barraco” na rua, ocorrido na noite anterior. Essas informações se cruzam, estabelecendo limites ou extrapolando fronteiras (Massey, 2008), criando uma permeabilidade nos lugares e permitindo o seu fluxo. Em outros casos, a infraestrutura dedicada à circulação das informações cria bloqueios e/ou obstáculos que acabam gerando os boatos e contradições, refletindo de forma restritiva no fluxo de informação.
A cidade pode também ser observada através de um aspecto mais concreto, como o fluxo de veículos automotivos que, a cada ano, tem aumentado consideravelmente graças ao crescimento populacional nas grandes cidades, o ganho de poder aquisitivo (real ou não) e, consequentemente, o aumento do consumo desses bens e de outros que acabam impulsionando a circulação nas estradas. No entanto, devido também aos problemas de infraestrutura, assim como ocorre com o fluxo de informação, e falta de planejamento, retenções surgem, em alguns pontos da cidade, gerando engarrafamentos e congestionamentos diários. Em comparação com o fluxo anterior, realmente é muito mais difícil de ser controlado e resolvido. As fronteiras físicas são mais rígidas e impermeáveis, porque não possuem tanta flexibilidade quanto as fronteiras ideológicas e discursivas características dos meios de comunicação.
Poderíamos citar outros exemplos de situações nas cidades em que a retenção dos fluxos poderia gerar problemas graves na rotina de uma cidade. Quando as águas das chuvas fortes em uma determinada região não conseguem um caminho para escoar, ou se, no caminho do escoamento, acabam encontrando habitações irregulares, temos como resultado catástrofes como as que ocorreram recentemente no Rio de Janeiro e Santa Catarina. Olhando por este ângulo do fluxo, vemos, em todos os casos, que o principal problema é a retenção deste importante fator que tornaria a cidade mais tranquila e fluída, caso isso pudesse ser controlado e monitorado.
Esse conceito de “fluxo” é aplicado em diversas áreas do conhecimento. No campo da Comunicação, ele pode ser visto, por exemplo, na Teoria da Informação. Em termos gerais, a Teoria da Informação formulada pelo engenheiro Claude E. Shannon apresenta um modelo de transmissão de informação em que os dados podem ser transmitidos de um ponto emissor até um ponto receptor com o mínimo de perda possível. Esta iniciativa foi de grande utilidade para o sistema de telecomunicação, no sentido de otimizar custos a partir da redução de ruído, tomado como um elemento que interfere diretamente na transmissão de sinal, gerando uma “incerteza” naquilo que se pretende informar.
Para Shannon, quanto maior a quantidade de incerteza na comunicação, maior a sua entropia. Ou seja, a entropia na Teoria da Informação é a forma de medir a quantidade de desordem de dados que gera incerteza e desorganização no sistema de comunicação: “From our previous discussion of entropy as a measure of uncertainty it seems reasonable to use the conditional entropy of the message, knowing the received signal, as a measure of this missing information” (SHANNON, 1948, p. 20). Portanto, a Teoria da Informação nos diz que quanto maior a entropia, maior será a incerteza e a desorganização da informação e, consequentemente, essa condição nos leva ao caos.
Se retomarmos os exemplos citados como o trânsito e as enxurradas nas cidades, podemos considerá-los como “eventos”, já que, para a Física, os eventos são ocorrências e fenômenos que surgem em um determinado tempo e espaço. Como explicitamos, quando o fluxo, nesses eventos, sofre uma retenção, temos como resultado situações críticas como os engarrafamentos e os desabamentos. Assim, relacionando isso com a Teoria da Informação, a retenção do fluxo acaba gerando incertezas quanto ao evento na cidade, que tende a aumentar tal como ocorre com a entropia em um sistema de transmissão de sinal. O controle dessa condição entrópica deve ser feito para que ocorra um equilíbrio no sistema e o fluxo volte a transitar livremente, diminuindo o estado caótico que se estabeleceu.
É nesse momento que surge a sintropia ou entropia negativa (também conhecida como negentropia), capaz de levar a entropia ao nível zero a partir de valores negativos incorporados no sistema: “The entropy of a continuous distribution can be negative. The scale of measurements sets an arbitrary zero corresponding to a uniform distribution over a unit volume. A distribution which is more confined than this has less entropy and will be negative” (idem, p. 38). Ou seja, em um evento crítico na cidade, como congestionamento e deslizamento de terra, cujo resultado é o estabelecimento de um ambiente de caos, com alto grau de entropia, a forma de se obter a diminuição desse nível é através de informações de valor negativo. Tais informações não representam apenas valores matemáticos. Na verdade, o significado da informação irá criar um valor negativo nessa condição entrópica, de forma a diminuir o seu grau.
Para Shannon, o significado da informação é indiferente; a precisão da transmissão é o mais importante. Isto porque na Teoria Matemática, a informação tem um sentido específico: “Estes aspectos semânticos da comunicação são irrelevantes para o problema da engenharia” (ibdem, p. 31). Nesse sentido, Epstein (1986) nos chama a atenção para o caráter dual da informação. Se para a Teoria da informação, a desordem máxima, ou estado caótico, nos oferece a informação como variedade, para a teoria gestáltica, a forma será percebida como tal, quanto menos informação ou diminuição do estado caótico esta apresenta. Assim, o conceito de “Cidade Sintrópica” será construído com base nessa dualidade: o estado caótico ou entrópico nas cidades pode ser entendido como sua quantidade máxima de informação, assim como a redução deste estado pressupõe também uma quantidade de informação, porém com significados que geram valores negativos. Ou seja, uma informação pode tanto implicar um estado caótico (entropia), quanto a sua diminuição (sintropia), a depender do valor gerado pelo seu significado.
Segundo Logan (2012), a informação biótica ou instrucional, segundo o estudo POE (Propagating Organization: An Enquiry), são “restrições que permitem que um agente autônomo – ou seja, um organismo vivo – possa converter energia livre em trabalho” (p. 55). Assim, nos sistemas bióticos, toda informação tem um propósito e um significado, cujo objetivo é a propagação da organização do organismo. Se transpusermos essa ideia de organização para entender a cidade, podemos aplicar empiricamente o conceito de Cidade Sintrópica, e perceber como estas informações assumem significados, gerando valores negativos, diminuindo o estado caótico, portanto organizando e diminuindo o grau de incerteza do ambiente. O aplicativo Waze, por exemplo, é uma forma de entender o fluxo do trânsito nas cidades a partir de informações que são compartilhadas pelos próprios usuários do sistema. Dessa forma, para aquele usuário que está se deslocando em determinada região da cidade, a informação terá um significado capaz de levar à organização e uma possível mudança no fluxo, diminuindo o estado caótico daquele evento crítico da cidade.
Referências
DE CERTEAU, Miguel. A Invenção do Cotidiano: Artes do Fazer. Vol.1. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.
___________________. A Invenção do Cotidiano: Morar, Cozinhar. Vol.2.
Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
EPSTEIN, Isaac. Teoria da Informação. São Paulo: Editora Ática, 1986.
LOGAN, Robert K. Que é Informação? A propagação da organização na biosfera, na simbolosfera, na tecnosfera e na econosfera. Trad. Adriana Braga. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
MASSEY, Doreen. Pelo Espaço: Uma nova política da espacialidade. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
________________Space, Place and Gender. Minessota: Universidade de
Mineápolis Press, 2001.
SHANNON, Claude. E. A Mathematical Theory of Communication. Reprinted with corrections from The Bell System Technical Journal, Vol. 27, pp. 379–423, 623–656, July, October, 1948.