Ensaios / In Vitro: Dossiê Covid-19

O amor nos tempos do COVID-19

Por Natália Huf

“I’m looking for love. Real love. Ridiculous, inconvenient, consuming, can’t-live-without-each-other love.” A frase é de Carrie Bradshaw, personagem principal da série Sex and the City (1998-2004), mas, possivelmente, se aplica a grande parte dos jovens – e também dos não-tão-jovens – solteiros do planeta. Com a vida social reduzida à vida online devido às medidas de distanciamento impostas para o combate ao novo Coronavírus (COVID-19), as possibilidades para sair de casa e conhecer novas pessoas caem para abaixo de zero. Se criar conexões era uma tarefa difícil antes, agora, em confinamento, fica pior ainda. Tentando diminuir essa sensação de isolamento (e trazer mais movimentação para a plataforma), o aplicativo de relacionamentos Tinder disponibilizou a função Passaporte para todos os usuários durante o período de distanciamento social.

O Passaporte é um recurso disponível para os usuários do Tinder Plus e Tinder Gold, as versões pagas do aplicativo, bem como outras funções restritas aos assinantes, como a possibilidade de ver quem deu like no seu perfil e o uso do app sem anúncios. A função foi lançada em 2017 como parte do pacote Tinder Gold, porém, durante a epidemia do novo Coronavírus, a plataforma disponibilizou o Passaporte para todos os usuários que possuem a versão mais atualizada do aplicativo (versão 11.12, tanto no sistema iOS quanto no Android), e avisou-os por meio de uma tela inicial informando a gratuidade do recurso:

tinder_tela1Tela do aplicativo informando o usuário sobre a disponibilidade da função Passaporte, acompanhada do botão “Set location”, que leva diretamente para as configurações do perfil

 

tinder_telaslocalizacaoTelas do aplicativo para a mudança de localização geográfica do usuário

A ferramenta foi disponibilizada gratuitamente para todos os membros em 29 de março e ficará disponível, a princípio, até o dia 30 de abril. Com a função Passaporte, o usuário pode alterar sua localização e curtir perfis de outros usuários em qualquer lugar do mundo. Para quem usa a versão grátis, o raio máximo de alcance do aplicativo é de 100 milhas, o equivalente a aproximadamente 161 quilômetros, e a localização é obtida por meio do serviço de GPS do smartphone do usuário. Com a função Passaporte, esse limite de distância continua ativo, porém, o que pode ser alterado é a localização geográfica do usuário. A mudança pode ser feita nas configurações do perfil: ao tocar no item “Localização”, o usuário vê um mapa-múndi e pode selecionar qualquer lugar do mundo, tanto pela caixa de busca, digitando o nome da cidade em que quer “estar”, quanto selecionando diretamente no mapa. É possível visitar quantos locais o usuário quiser (mas apenas um de cada vez) e os perfis curtidos podem visualizar o perfil do usuário por até 24 horas depois de a localização ser alterada. Podem ser selecionados até cinco lugares como configuração padrão, contando com a geolocalização real: a partir do momento em que o usuário selecione uma sexta, ela irá substituir a mais antiga (utilizada há mais tempo). Na imagem abaixo, por exemplo, “Tokyo, JP” seria eliminado da lista no momento em que outra localização fosse selecionada.

tinder_localizacao

Configuração de localização permite que o usuário defina até cinco locais como “default”

Segundo matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, na data de liberação do recurso para todos os usuários o Tinder registrou o maior número de “swipes” (movimento de arrastar perfis para o lado direito, para curtir, ou esquerdo, para descartar) em um dia na história do aplicativo. Além disso, foi registrado um crescimento de 15% no uso dessa função no Brasil durante a última semana do mês de março. Outros países, como Alemanha, França e Índia, também tiveram crescimento durante o mesmo período – que coincide com o início ou o reforço das medidas de distanciamento social.

No site oficial da plataforma em português, o Tinder é definido como “o aplicativo mais popular do mundo para conhecer pessoas novas”. No Brasil, é mais utilizado como um aplicativo de relacionamento e paquera, no qual as pessoas dão “match” – curtidas mútuas nos perfis – e passam a conversar e se conhecer. Mas não são apenas relacionamentos românticos ou sexuais que o Tinder proporciona: muitas pessoas também utilizam o aplicativo em busca de novas amizades, conhecer pessoas quando se mudam para uma nova cidade… Ou seja, estabelecer conexões. E, em tempos de confinamento, criar novas conexões se tornou uma forma de diminuir a sensação de isolamento.

Em nota, o presidente do Tinder, Elie Seidman, afirma: “Esperamos que nossos membros, muitos dos quais estão ansiosos e procurando conexões mais humanas, possam usar o Passaporte para se transportar da auto quarentena para qualquer lugar do mundo. Nos inspiramos em como as pessoas estão usando o Tinder para dar apoio uns aos outros, e queremos ajudar a acender as chamas de solidariedade social”.

A gratuidade da função, que normalmente está disponível apenas para os usuários pagantes do Tinder Gold ou do Tinder Plus, gera curiosidade em quem não é assinante e não usufrui dos recursos especiais da plataforma. Pode trazer de volta usuários pouco ativos e mobilizar os membros mais adeptos do aplicativo a se aventurarem em lugares diferentes. A estratégia do Tinder movimenta os usuários, que podem “viajar” para vários lugares do mundo, conhecer pessoas de cidades que gostariam de visitar e também treinar outros idiomas, tudo isso enquanto permanecem navegando no aplicativo por mais tempo, gerando mais dados para a plataforma.

Mas como ficam as práticas de relacionamento em tempos de confinamento? Com os bares, restaurantes, cinemas e outros lugares comuns para primeiros encontros fechados, a forma de se relacionar como a conhecemos precisa passar por alterações. Aplicativos e sites de videoconferência como o Zoom e o Houseparty se tornaram alternativas para os quarentenados em busca de companhia. Grupos de amigos, ao invés de marcar um encontro em algum lugar externo as suas casas, optam por conversas virtuais pelo Google Hangouts ou pelo Skype. Isso se reflete também no uso da plataforma Tinder: o isolamento social fez com que muitos usuários mudassem sua “bio” (descrição que o usuário pode fazer em seu perfil) para brincadeiras ou comentários relacionados ao período que o mundo está enfrentando coletivamente.

tinder_perfil1

“Zoom and chill?” Perfil visualizado com a localização ativada em Londres, Inglaterra

tinder_perfil2

“From Sweden, messing about with the passport function now that it’s free. (…)” Perfil visualizado com a localização ativada em Londres, Inglaterra

tinder_perfil3

“Sono francese, voglio migliorare il mio italiano. Un skype aperitivo per il primo date?” Perfil visualizado com a localização ativada em Roma, Itália

tinder_perfil4

“I’m here taking the opportunity to make friends around the world in this quarantine! To aqui pra conhecer gente nova e ter com quem conversar nessa quarentena.” Perfil visualizado com a localização ativada em Paris, França

Na página de configurações, o usuário pode tomar várias decisões que irão afetar seu uso do aplicativo e as pessoas com quem irá se deparar: além da localização, há um filtro de idade (sendo a idade mínima 18 anos, e a máxima, “55+”); a distância máxima de busca; e a opção para ver perfis de homens, mulheres ou ambos. O usuário pode também optar por “esconder” seu perfil, ficando ativo apenas para conversar com os matches, sem estar disponível para curtir ou ser curtido por outras pessoas. Todas essas opções fazem um “filtro” que seleciona os perfis que serão mostrados para o usuário arrastar para a direita ou esquerda, a depender de sua preferência. A materialidade da interface do aplicativo – com as opções de filtragem, espaço para descrição em texto e para até nove fotos/vídeos, possibilidade de linkar com as contas do Instagram e do Spotify – faz com que o usuário opte por se mostrar de determinada forma na plataforma, e também permite que ele escolha com quem irá (ou terá a chance de) interagir. Dessa forma, o Tinder tem papel ativo na produção de sua audiência: os usuários da plataforma são constantemente construídos pela forma como utilizam o aplicativo e pelas escolhas que fazem dentro dele.

Outra informação divulgada pelo Tinder foi que conversas travadas entre os usuários dentro do aplicativo têm sido mais longas durante o período de isolamento social: segundo matéria do site UOL, o diálogo entre os matches apresenta uma duração 25% maior do que antes das medidas de distanciamento social. No Brasil, as conversas iniciadas aumentaram em 25%, e a duração delas, em 20%. Estar em casa entediado possivelmente fez com que muitas pessoas, ao invés de “colecionar” matches, como se costuma dizer dentro do aplicativo, de fato começassem conversas com os perfis que gostaram. O próprio aplicativo tem enviado mensagens para os usuários, encorajando-os a permanecer interagindo apenas no espaço virtual:

tinder_mensagemMensagem enviada pela equipe do Tinder aos usuários, incentivando o uso do aplicativo/celular para as conversas durante o período de isolamento social, ainda antes da disponibilização da função Passaporte

O blog Swipe Life, que traz histórias de usuários do Tinder, dicas de como usar o aplicativo e outras publicações relacionadas à plataforma, publicou recentemente o texto “What does it mean to date in the age of Coronavirus?”. O reforço às medidas de distanciamento social é evidente na postagem, bem como o incentivo à busca de novas relações: “Human beings are innately social. Extended periods of social isolation can lead to loneliness, which negatively affects our health. In fact, the Younger Australian Loneliness Survey, which included 870 adults ages 18-25, found that loneliness is associated with “poorer mental health, higher inflammatory responses (i.e. bodily responses to disease and injury), and poorer cardiovascular health.” Not to be dramatic, but we need social interaction to survive and thrive. Sure, you’ve got some combination of friends, family, and your pets to talk to, but this is a great time to make new connections as well.”.

Em uma época em que nossas redes sociais mais utilizadas nos mantêm em uma “bolha” formada pelas pessoas com quem mais convivemos, essa ferramenta é um retorno à outra forma de usar a internet, mais parecida com o que ela proporcionava no início: interagir com pessoas de diferentes lugares, criar laços independentemente do convívio na “vida real”. Ao mesmo tempo, a plataforma se fortalece: o aumento na navegação gera aumento no volume de dados produzidos, e consequentemente, gera mais lucros para a economia de plataforma do Tinder. Durante o isolamento, está quase impossível fugir das telas. Enquanto a vida social está temporariamente suspensa, resta aos eternamente solteiros deslizar para a direita e torcer por matches, sejam eles novas amizades, possíveis pretendentes ou conexões ao redor do mundo nesta quarentena.