por Macello Medeiros, PhD
Pesquisador Doutor no Lab404
Em algumas casas existe o costume de deixar um caderno de anotações à vista para que seus moradores coloquem os itens que estão, por exemplo, faltando na geladeira. Sim, hoje já existe uma geladeira que “informa” quais produtos estão em falta, enviando a lista de compras para o celular do morador, utilizando o conceito de Internet das Coisas (IoT). Porém, digamos que este ainda não seja o procedimento mais comum nos lares mundiais, apesar de que o bloquinho de anotações também não esteja entre os hábitos mais comuns na maioria deles.
No entanto, o que quero chamar a atenção é a relação que se estabelece entre a casa, seus moradores e o bloquinho de anotações. A relação de itens que estão em falta na geladeira só faz sentido para aquela casa e para aqueles moradores, correto? Cada geladeira em cada casa terá sua necessidade específica. Portanto, corroborando a máxima mcluhaniana (“o meio é a mensagem”), a casa torna-se um elemento fundamental neste processo de mediação, determinante para situar o tipo de relação que se estabelece ao utilizar um bloquinho de anotações.
Não seria interessante se isso pudesse ser transferido para uma cidade!? Imagine passar em uma rua onde o lixo se acumula e poder “anotar” para alguém num bloquinho o problema da falta de coleta de lixo na rua. O grande desafio é fazer esta informação chegar à pessoa responsável por administrar esta ação. Numa casa é fácil identificar quem é ou está sendo, naquele momento, o responsável por resolver a questão anotada no bloco que, neste caso, é compra de itens que estão faltando na geladeira.
No livro “O Direito à Cidade”, Henri Lefebvre apresenta o conceito de “estratégia urbana” e, segundo ele, “apenas grupos, classes e frações de classes sociais capazes de iniciativas revolucionárias podem se encarregar das, e levar até a sua plena realização, soluções para os problemas urbanos; com essas forças sociais e políticas, a cidade renovada se tornará a obra” (LEFEBVRE, 2001, p. 113). Lefebvre também traz o conceito da cidade como mediação entre as mediações, colocando-se entre a ordem próxima (indivíduos, grupos, associações) e a ordem distante (instituições públicas e organizações como Igreja e Estado).
Nestes casos, as ações utilizando as mídias locativas têm se tornado uma excelente alternativa para contribuir como ferramenta nesta comunicação entre população e os órgãos públicos, tendo a cidade como mediação. Alguns projetos de cunho colaborativo têm obtido sucesso ao desempenhar o papel de mediador, como é o caso do “Mapa dos Buracos” e o “Onde fui Roubado” presentes em diversas cidades no Brasil. Pelas suas características de participação da população na coleta destes dados, estas iniciativas também são conhecidas como ações de Crowdsoucing, pois reúne objetivos claros e organizados (top-down) como numa instituição, porém utiliza a força criativa e colaborativa das pessoas (bottom-up) que frequentam aquele espaço, neste caso, a cidade.
Um dos grandes sucessos deste tipo de ação é o aplicativo Waze, que hoje pertence à Google. Ele deixaria de existir, porém, caso as pessoas desistissem de colaborar com as informações, neste caso, sobre o trânsito. Segundo Daren C. Brabham (2013), o aplicativo Waze pode ser classificado como uma ação de Crowdsourcing do tipo “Knowledge discovery and management” cuja principal característica é dada quando uma organização estabelece uma tarefa para uma multidão com o objetivo de buscar e coletar as informações dentro de um lugar comum, a partir de um determinado formato, no caso do Waze, um aplicativo de georreferenciamento.
Guardadas as proporções, podemos dizer que o processo colaborativo começa em casa! O bloquinho de anotações na geladeira atua como um instrumento de mediação, assim como a sua casa, já que é nela que se situam as ações de buscar e coletar informações dentro da geladeira por qualquer um dos moradores. Obviamente não pode ser considerada uma “multidão”, mas esta inciativa dos moradores parte do mesmo princípio da cultura participativa quando nos referimos, por exemplo, aos aplicativos de georreferenciamento que utilizam os mapas digitais para transformar dados coletados pela população e informação que irão circular e interessar a qualquer pessoa, fazendo da cidade um ambiente de mediação, e não apenas intermediação.
Referências
BRABHAM, Daren C. Crowdsourcing. Massachusets: MIT Press, 2013.
LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo; Centauro, 2001.