Resenhas

Resenha de Everyware, seções 1 e 2

Everyware, Adam GreenfieldE se ao invés de estar alocada em alguns poucos dispositivos eletrônicos, a informação pudesse ser disposta em qualquer lugar, em qualquer objeto, a qualquer momento? Buscando uma aplicação tecnológica dessa maneira e de modo a facilitar nosso dia a dia, essa é a exploração empregada por Adam Greenfield em seu livro Everyware.

O livro é dividido em 7 seções, cada qual com uma abordagem específica. Nesta resenha, exploramos as duas primeiras seções, que tratam, respectivamente, da proposta central de Everyware e como esse paradigma, se pudermos tratar assim, diferencia-se de outras aspectos tecnológicos que nos já são familiares.

O que é everyware?

Greenfield tem por base as ideias de Mark Weiser, o qual discorre sobre computação invisível: segundo essa visão, o processamento informático não mais se encontraria num único objeto mas também no alicerce de todos os lugares. Diante da miniaturização de chips e outros componentes eletrônicos, a proposta é que, ao invés de termos um espaço cibernético descolado do mundo palpável (como em geral é tratado o ciberespaço), a própria computação possa florescer em meio a objetos que antes não considerávamos como computadores. Ou seja, a premissa é permear os elementos com capacidade de processamento das informações do cotidiano. Os objetos, nesse sentido, seriam planejados a partir do comportamento humano, enquanto os ambientes teriam por base não só a distribuição das coisas como também de funcionalidades pelos recintos.

O que estamos contemplando aqui é a extensão da captação e do processamento da informação, assim como sua capacidade de se situar em rede para classes de coisas que nós nunca imaginamos antes como sendo “tecnologia” (p. 19)

Por esse entendimento, o processamento da informação estaria “dissolvido” em nosso comportamento e na possibilidade de certos dispositivos serem sensíveis e compreensíveis às nossas ações. Em outras palavras, o que é proposto é que os elementos que constituem os lugares onde nos encontramos possam ser reativos e até pró-ativos quanto a nossa presença ou ausência. Como exemplo, Greenfield chega a propor que, ao fecharmos a porta do quarto, sensores espalhados pelo ambiente (na própria porta, por exemplo) possam “saber” que desejamos privacidade. Dessa forma, automaticamente outras configurações seriam realizadas de tal maneira que nosso desejo pudesse ser transportado para outros aparatos – a exemplo de instant messengers, os quais mudariam por si só o status do usuário para ocupado, ausente ou algo similar. Um problema central a essa visão se dá quanto às nossas questões cultuais: como os aspectos peculiares de uma determinada sociedade podem ser plenamente compreendidos por chips produzidos e programados em diferentes lugares? Que tipos de padrões devem ser levados em consideração no planejamento e na execução das atividades? Até o momento, Greenfield não responde a essa questão.

Na realidade, em indicativos do contrário, autor chega a propor que everyware é uma espécie de colonização do cotidiano pela tecnologia da informação, de modo tal que ela possa ser aplicada às mais comuns tarefas do dia a dia. Embora Adam Greenfield não teça considerações nesse sentido, certamente outros pensadores fariam objeções quanto à imposição de padrões de instrumentos e procedimentos. De que tipos tarefas estamos falando? A que formas de leitura de dados estaríamos expostos? A princípio – sem chegarmos ainda a considerações sobre inteligência artificial – a única maneira de um software compreender de antemão nossas intenções ou pelo menos nossos modelos de ações, seria por uma programação prévia baseada em scripts comuns a uma certa amostra de usuários – e notemos que entre “amostra” e o todo há uma distância gigantesca. O posicionamento defendido por Greenfield, entretanto, é que a heterogeneidade é um problema que concerne à usabilidade dos sistemas e que, apesar das dificuldades, os mecanismos desse cenário devem incorporar a variabilidade em seus modos de funcionamento. Como isso seria feito é que não fica claro – ao menos até essa parte do livro.

O próprio termo “usuário”, aliás, passa a ser problemático para o autor, configurando uma ruptura com os modelos computacionais que temos até o momento. Em sua opinião, a palavra carrega em si um certo sentido de agência e deliberação que nem sempre é consoante com as funcionalidades almejadas em seu paradigma de everyware. Nem sempre estamos ciente das decisões que sensores e computadores tomam. Na verdade, às vezes nem precisamos tomar conhecimento delas ou mesmo sequer devemos ter uma postura decisória sobre os rumos a serem tomados – assumindo, pois, que o próprio poder de computação é suficientemente capaz de decidir os caminhos mais acertados. Delegaríamos, assim, alguns de nossos rumos aos próprios mecanismos. Na realidade, delegaríamos às políticas que se encontram por trás deles, mas essa questão Greenfield não passa a largo.

Em diversas circunstâncias, nós não podemos simplesmente conceber o ser humano atuando no everyware como um “usuário” (p. 70)

A virada de um contexto de call-and-response (pedido e resposta) para uma atuação pró-ativa (ou seja, de ação antes mesmo de qualquer requisição) certamente traz à tona problemas diversos. Um exemplo se dá não queremos interagir com os dispositivos e não sabemos ou não nos lembramos mais como desconfigurá-lo. Ou ainda quando não estamos cientes de que nossos dados estão sendo rastreados. São situações, enfim, para as quais o autor apenas esboça uma rápida preocupação, sem tecer grandes críticas ou mesmo propor soluções. Sucinto e sem se importar tanto com esse ponto, Adam Greenfield se limita a dizer que, diante das abordagens de everyware, a própria noção de privacidade precisa mudar – sem essa transformação, não há como esse cenário se estabelecer. Sobre que tipos de considerações quanto o que é íntimo e não-rastreável, entretanto, Greenfield não desenvolve nenhum pensamento até aqui.

Exemplos

Por fim, é bastante proveitoso que tenhamos exemplos para avaliar as propostas de vistas em Everyware. O autor fala de ambientes inteligentes que passam desde o quarto e vão até o espaço público das ruas e, nesses contextos, nosso corpo é tratado ao mesmo tempo como fonte de informação, meio de experimentação do mundo e como um recurso em rede. Alguns exemplos:

Ao nível do corpo
SenseWear Patch: nada mais que senão uma braceleira para monitorar a saúde. Acaba sendo apenas um dispositivo de leitura corriqueiro e sem grandes interações com outros dispositivos. Embora não seja citada pelo autor, talvez um exemplo de maior novidade e com maior potencial para estabelecer novas relações com ambiente seja o Skinput, uma espécie de interface projetada em nosso corpo. Veja o vídeo de funcionamento abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=g3XPUdW9Ryg&feature=player_embedded

Por meio de elementos sobre a mesa, o usuário consegue controlar as informações exibidas na projeção da mesa interativa da Sociedade Asiática de NY.

Ao nível de um quarto
Cabe citar aqui o Ambient Room, um exercício do MIT Tangible Media Group, DoComo Carpet Lan e o Sensacell, projetos que buscam captar informações de um recinto, reaproveitando-o por vezes com interface para a disposição de novas informações. Também em relação a um ambiente pequeno, vale a pena falar da mesa interativa da Sociedade Asiática em Nova Iorque, a qual, assim como o Skinput, possui uma projeção manipulável.

 

Ao nível de uma construção
Greenfield cita, dentre outros, Miconic 10, modelo de elevador capaz de calcular trajetórias entre os andares de acordo com os destinos de seus passageiros. Para uma melhor compreensão, veja o vídeo abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=ZKit8PaBXF8&t=2m23s

Embora Adam Greenfield não faça referências, circula pela rede um vídeo recente elaborado pela Microsoft, o qual mostra uma situação futurista em que objetos conseguem estabelecer contato entre si e entre outras redes, proporcionando facilidades diversas ao cotidiano. Embora neste exemplo ainda tenhamos um papel de usuário ativo (por exemplo, acionando os dispositivos), ao menos aqui os objetos mais corriqueiros atuam como não só como fontes de captação de dados mas também como capazes de processá-los. Assista abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=a6cNdhOKwi0

Vale ressaltar, afinal, que há muitas formas de tratar esse tipo de perspectiva proposta por Greenfield: computação ubíqua, computação pervasiva, mídia tangível, dentre outro vários nomes, cada qual com sua particularidade. No entanto, não bastasse a quantidade de nomenclaturas, o autor ainda propõe mais uma: a que dá o título ao seu livro. Everyware, assim, se dá como resultado de uma brincadeira em que se misturam as palavras everywhere (todos os lugares) e software/hardware. Um problema inicial, entretanto, é que sua perspectiva não acrescenta absolutamente nada de novo ao cenário da tecnologia atual, não passando, no fundo, de uma tentativa de emplacar um novo nome como referencial e ainda de tratar a aplicação tecnológica “inteligente” como um exercício (ainda!) um tanto quanto ficcional.