No último dia 03/04, às 17 hs (horário de Brasília) foi realizada de forma simultânea em diversas cidades do planeta a flashmob Pillow Fight. O evento consistiu em uma grande mobilização de pessoas, aparentemente desconhecidas entre si, que “travaram” uma guerra de travesseiros em diferentes lugares do mundo. Depois de alguns minutos e muitas “travesseiradas”, a multidão se dispersou e tudo voltou ao normal.
A flashmob aconteceu sábado em cidades como Pequim, Barcelona, Londres, Bruxelas, Nova Iorque, Amsterdã, etc. No Brasil, a Pillow Fight foi realizada em São Paulo, Rio de Janeiro, Rondonópolis, Manaus, Belo Horizonte, São Carlos, Poços de Caldas, Teresina, dentre outros municípios do interior e capitais de diferentes estados. Em Salvador, a batalha de travesseiros foi feita na pista de skate do Jardim dos Namorados, no bairro da Pituba. Por aqui, a flashmob reuniu mais de cem pessoas, entre participantes e curiosos, que trocaram golpes de travesseiro por de cerca vinte minutos e depois se dispersaram.
Estive por lá entre os curiosos, no sábado, analisando todos os momentos da flashmob. Enquanto observava passo a passo da dinâmica, era inevitável pensar nos eventos que foram realizados anteriormente naquele lugar e como se deu a produção de espaço em cada um dos casos. Por exemplo, lembrei-me da partida do alternate reality game The Lost Ring, ARG relacionado aos Jogos Olímpicos de Pequim, que foi disputado em 2008 na internet e em lugares de diferentes cidades do mundo, dentre eles o próprio Jardim dos Namorados, em Salvador. Assim, em meio à guerra de travesseiros na Pillow Fight, procurei pensar: como se dava a produção de espaço operada por aquela flashmob? Quais as diferenças e semelhanças de sua espacialização com a produzida em eventos anteriores realizados naquele mesmo lugar? Utilizar a estrutura do Jardim dos Namorados como espaço para eventos não é algo novo, pois o lugar já abrigou anteriormente, além do ARG já mencionado, shows, comícios políticos, festas municipais, dentre outras atividades gratuitas para o público.
Para começar a discussão, que aqui será delineada de modo superficial, cabe esclarecer alguns pontos fundamentais. Penso a noção de lugar de acordo com a proposta de Michel de Certeau (1984), ou seja, trata-se da ordem segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência, implicando em uma configuração instantânea de posições e em uma ordem de estabilidade entre corpos, sujeitos e objetos. Já o espaço, segundo de Certeau, é um lugar praticado e, conseqüentemente, dotado de sentido. Assim, podemos pensar a estrutura do lugar como algo dado, seja pela ordem natural ou pela ação do homem. Já o espaço, por sua vez, é o produto das relações sociais que ocorrem em determinado lugar. Esta é a tese de Lefevbre (1991), que discute a proposta de produção social do espaço, considerando que as nossas relações sociais são sempre espaciais e o espaço pode existir a partir delas, incorporando especialmente as ações de agentes locais em associação com outros grupos. Estas atividades, segundo Lefevbre, produzem um tipo de espaço concebido como social, que é ao mesmo tempo identitário e relacionado à produção de sentido.
A partir desta breve exposição, podemos traçar uma análise da produção de espaço operada no Jardim dos Namorados durante a Pillow Fight, em Salvador. De início, é preciso reconhecer que todos os eventos apontados neste post são formas distintas de mediações e que as mídias, de acordo com o texto de André Lemos,(2009), produzem sentidos de lugar, criando formas de conhecimento e experiência local. Portanto, se a mídia infere sentido em determinada lugar, ela pode criar um espaço. Entretanto, devemos notar que os shows, comícios e festas realizadas no Jardim dos Namorados, mesmo gratuitos, foram eventos “patrocinados” por partidos políticos, instituições, empresas, etc., que buscam se aproveitar do hit, do sucesso dos artistas e pessoas que estavam se apresentando. No mesmo sentido, podemos perceber a figuração de um mecanismo de controle, o patrocinador, que em certo sentido influenciou na comunicação realizada naquele lugar. Finalmente, estes eventos foram dirigidos para as massas, que se limitavam apenas à recepção do conteúdo veiculado e produziam muito pouca informação a respeito do evento. Os shows e comícios ali realizados seguiam a lógica de baixo para cima do sistema top-down, típico da comunicação de massa.
Já o caso de Plliow Fight reflete o exatamente o lado oposto, se aproximando do que foi percebido durante o The Lost Ring. No alternate reality game, por exemplo, os jogadores usaram a internet para organizar investidas em diversas cidades do mundo, onde deveriam cumprir missões específicas para salvar pessoas presas em outra galáxia. Durante uma partida realizada em Salvador, doze jogadores foram até a pista de skate no Jardim dos Namorados e, no chão do lugar, desenharam uma espiral com nove voltas. O objetivo era percorrer todas as curvas da figura, respeitando o traçado das linhas. Toda a atividade foi gravada, editada em vídeo e compartilhada pela internet com membros de uma comunidade, que avaliavam e comparavam os resultados com o de outros grupos mundo afora. Ao final, foi possível notar a emergência de um espaço, o espaço do jogo, produzido através destas relações sociais.
Podemos pensar que, de maneira análoga ao ARG ,se deu a produção de espaço operada pela Pillow Fight. A flashmob foi organizada mundialmente pelos membros de uma comunidade virtual e todas as ações centralizadas no blog oficial, com links para paginas especificas, cada uma relacionada à cidade onde aconteceria uma mobilização. Às 17 horas (horário de Brasília), os participantes iniciaram a flashmob que, da mesma forma que um jogo, obedecia regras específicas. Por exemplo, só poderia participar quem trouxesse seu travesseiro e os golpes só poderiam ser desferidos com estes objetos.
A flashmob não teve a pretensão de tirar aproveito de hits para se promover. Também não existia premiação, a principal recompensa foi participar e compartilhar os registros, feitos pelos usuários de aparelhos com câmera, com a comunidade engajada. Este fato pode ser facilmente comprovado acessando os inúmeros vídeos disponíveis no Youtube, feitos durante a mobilização. Neste caso, toda a articulação da Pillow Fight aconteceu em sistema botton – up, de baixo para cima e não envolveu investimentos e verbas de publicidade. De novo, diferente do que aconteceu na ocasião dos shows e comícios realizados anteriormente no Jardim dos Namorados, que envolveram aportes de capital de patrocinadores para pagar o cachê dos músicos, alugar estruturas de palco, equipamento de som, etc. A presença do público não era fundamental, pois os artistas deveriam se apresentar independente de quem e quantos estivessem por lá. E a repercussão do show não ganha muito espaço na mídia, pelo contrário, o investimento é feito na sua divulgação, em diferentes tipos de mídia.
Já no caso da Pillow Fight, podemos notar que não existiram gastos consideráveis com a divulgação, que é feitas através de blogs criados gratuitamente na internet, em fóruns de comunidades virtuais e por SMS, uma das principais ferramentas usadas para agregar pessoas à ação. Ao contrário dos shows e comícios, a presença do público foi fundamental não apenas para a atividade funcionar enquanto flashmob, mas também para registrar e compartilhar todo o material gravado. Cumpre destacar que o conteúdo destas mensagens tem um potencial considerável de reverberação na rede, pois ficam hospedados em ambientes favoráveis ao compartilhamento de dados e veiculação de comentários feitos por outros usuários. Assim, podemos pensar que o Jardim dos Namorados, durante cerca de vinte minutos, no dia 03/04/2010, tornou-se o espaço da flashmob Pillow Fight em Salvador, produzido através das relações sociais que aconteceram naquele lugar, durante a mobilização. Criou-se instantâneamente um espaço sobre a estrutura daquele lugar que, mesmo durando pouco tempo, seus registros continuam reverberando intensamente pela internet.
Fiquei imaginando: o que aconteceria se o Jardim dos Namorados oferecesse uma infra-estrutura de redes sem fio? Certamente, poderíamos constatar um numero bem maior de mensagens circulando pela rede, relacionadas àquela flashmob pois deste modo seria possível disponibilizar imediatamente as informações produzidas in loco. No mesmo sentido, o conteúdo em vídeo gravado por lá fatalmente oferecia maiores opções de perspectiva, enquadramento, além de ser personalizado de acordo com o usuário que o produziu. Em resumo, me parece inegável que as flashmobs, da mesma forma que os ARGs, comprovam que as novas mídias colocaram em jogo alternativas fascinantes para uso dos lugares e produção do espaço. Ainda estamos descobrindo o verdadeiro potencial destas atividades, que ainda são muito pouco exploradas pelas grandes empresas, para criar novos espaços sobre os lugares, a partir do uso das novas tecnologias de comunicação. Nos tempos da convergência midiática, computação pervasiva inteligência coletiva e cultura participativa, eventos como a Pillow Figh nos mostram como é possível produzir novos espaços usando tecnologia, redes e criatividade.
Referências:
De CERTEAU, M. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1984
JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
LEFEVBRE, H. The Production of Space. Blackwell Publications, 1991
LEMOS, A. Cultura da Mobilidade. Trabalho apresentado na III Abciber. São Paulo: ESPM, 2009.
Fotos: Paulo Vítor Sousa (flashmob)/Tácio Lobo (ARG)
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