O GPC discute agora o livro de Falkheimer, Jasper and Andre Jansson (Eds.). Geographies of Communication: The Spatial Turn in Media Studies. Nordicom: Goteborg, 2006. Pp. 309.
Resenhas por Luiz Adolfo:
No encontro realizado quinta-feira, dia 02 de junho de 2011, iniciamos a discussão do terceiro livro neste semestre, Geographies of Communication: The Spatial Turn in Media Studies, organizado por Falkheimer e Jansson. Trata-se da obra que estabelece o ponto de partida na linha de estudos Geografias da Comunicação. O livro vislumbra, de um modo geral, a relação da mídia com o espaço, de acordo com que os autores entendem por virada espacial nos estudos culturais e de midia. No primeiro dia de discussões sobre o livro, a apresentação dos capítulos 1 e 2 ficou a cargo de Luiz Adolfo de Andrade.
Capitulo 1 – Towards a Geography of Communication,
Neste capítulo, André Jansson e Jesper Falkheimer, organizadores do livro, apresentam as bases para renovar o dialogo entre espaço e comunicação. Esta relação, segundo os organizadores, vem adquirindo outros contornos nos últimos anos, tornando-se mais complexa na medida em que os novos meios de comunicação borram as fronteiras entre diferentes espaços e suas dimensões. Para entender esta mudança no campo dos estudos culturais e mídia, os autores buscam entender a chamada virada espacial nos estudos de mídia, que originou a disciplina da “Geografias da Comunicação – um subcampo da área das ciências sociais aplicadas .
As origens da relação entre geografia e comunicação reside no argumento, segundo os organizadores, de que toda a comunicação é devedora de um espaço e que todo espaço é criado através de representações produzidas pelos meios de comunicação. De acordo com Jansson e Falkheimer, as teorias de produção de espaço podem ser utilizadas para entender como a implementação e apropriação de meios e tecnologias embaralham não apenas os limites entre regiões geográficas (famílias, casas, cidades) e entre tipos de regiões (global e local; público e privado), mas também as dimensões que demarcam e constituem essas regiões (espaços simbólicos, materiais e imaginários). Nesta perspectiva, os autores defendem que a teoria espacial e teoria das mídias são mais combinadas atualmente que a há dez anos atrás, desencadeando a virada espacial nos estudos de midia.
Trata-se de um fenômeno evidente, segundo Jansson e Falkheimer, onde as primeiras pesquisadas são guiadas por duas questões – chave, que se aproximam de forma estreita: como a comunicação produz espaço e como o espaço produz comunicação (p.09).Jansson e Falkheimer argumentam que as caracteristicas da comunicação hiperespacial demandam novas reflexões entorno das categorias de texto e contexto, tornando obsoletos certos rituais de consumo destes elementos comunicacionais.
Os autores iniciam sua revisão citando o trabalho The Bias of Communication, de Harold Innis (1964), como primeiro exemplo de exploração da relação entre meios de comunicação de sociedade e os padrões de conhecimento e poder, realizada desde os primórdios até o século XX. Innis estabelece uma distinção, diferenciando mídias com características temporais daquelas com características espaciais. Enquanto as mensagens nas midias temporais são mais duráveis, como gravações em uma pedra, as midias espaciais são mais leves e permitem uma melhor disseminação de seu conteúdo, a exemplo do que acontece com as mensagens gravadas em papel. Innis destaca que as midias temporais serviram para as ambições do império religioso e seus propósitos de monopolizar o conhecimento, enquanto o segundo serviu de ferramenta para expansão do imperialismo militar (p.10-11). Além de ser a primeira pista para as bases da geografia da comunicação, as midias espaciais de Innis revelavam uma forma de controle do espaço pelos meios de comunicação.
No campo das ciências sociais, pode-se destacar os trabalhos de Meyrowitz (1984) e Virillio (1996), que analisaram as consequências das novas mídias e dos transportes em nossas percepções de tempo, espaço e lugar. Manuel Castells é outro importante referencial(1996), introduzindo o paradigma da tecnologia da informação como modelo emergente em paralelo às novas possibilidades tecnológicas do meio digital. Desta forma, Castells revela uma ideologia dominante baseada na cultura em espacos de fluxo de informacão que caracteriza a sociedade em rede. Bauman (2000) é outro referencial que contribui para a formação do subcampo da Geografia da Comunicação, comparando a sociedade do século passado a um curso sólido (pesado), que passou para o curso líquido (luz) na virada do século XXI, criando uma geografia de fluxos simbólicos que s estabelece entre os domínios de espaços geopolíticos.
As críticas de Jansson e Falkheimer são direcionadas às teorias anteriores, que focalizam a transmissão da mensagem de forma massiva, pressupondo fronteiras demarcadas e visíveis entre produtores e audiência, textos e contextos. “ comunicação hiperespacial incorpora uma celeuma de ambiguidades que configuram a base epistemológica dos estudos de mídia” (p.11).
Os organizadores apontam outras questões que dirigem a virada espacial dos estudos culturais e mídia. A primeira delas é a questão da mobilidade. Enquanto as pesquisas tradicionais focalizam práticas comunicacionais que acontecem em contextos particulares, predominantemente na esfera doméstica, a saturação de textos midiáticos implica em um largo compartilhamento e consumo de conteúdo em movimento. Jansson e Falkheimer entendem que as pessoas em mobilidade podem encontrar e consumir simultaneamente inúmeros textos midiáticos, a maioria de caráter comercial. Por outro lado, eles destacam a dificuldade de combinar mobilidade das pessoas com o caráter móvel das novas tecnologias. A mobilidade não e uma invenção do nosso tempo, trata-se um desejo inerente ao ser humano. A mobilidade de livros, trens e revistas são constantemente associadas ao estilo de vida das pessoas no período industrial. No ponto de vista dos estudos de mídia, a interseção entre mídias moveis e mobilidade das pessoas suscitam ambiguidades direcionadas ao estado de textos e contextos (p.12).
A segunda questão refere-se à comunicação hiperespacial, que envolve ambiguidades em termos de convergência tecnologia e cultural. Partindo de Castells (1996) e Bolter e Grusin (1999), os autores focalizam a criação de redes multimídias que são rearticuladas como eixos de fluxos de informação digital A convergência tecnológica cria não apenas novos modos de produção e consumo, mas alterações repetidas, por exemplo, as vigilâncias publica e privada. No mesmo passo, torna-se mais difícil separar a mídia de forma de representação particular, pois cada tecnologia habilita um forma de representação. Já a convergência cultural contribui para borrar as fronteiras entre textos midiáticos, em seu sentido tradicional. Essas fronteiras tornan-se negociáveis com base em uma logica Pós-Fordista (Harvey, 1994).
Em terceiro lugar, os organizadores colocam a questão da interatividade, posicionando novas possibilidades de interatividade online. Este tipo de interatividade foi largamente associado aos ambientes baseados na internet, como os MUDS, comunidades virtuais. Os processos de convergência potencializaram a questão da interatividade online para além destes ambientes. O exemplo adotado para ilustrar esta proposição é o formato dos reality shows, onde a interação entre audiência, participantes e produtores é ferramenta fundamental. Jansson e Falkheimer advertem que os estudiosos dos meios de comunicação devem considerar que as mediações não são apenas culturais, mas fenômenos que transformam os lugares de produção e consumo.
A era da comunicação hiperespacial fez com que os estudos de mídia fossem encarados como efemeridades, evolvendo três dilemas epistemológicos: a efemeridade de textos, a efemeridade de contextos e a efemeridade de relações entre textos e contextos. Estes dilemas motivaram a virada espacial.
Jansson e Falkheimer retomam o trabalho de Meyrowitz (1984), onde o autor combina as ideias de Innis e McLuhan com o interacionismo de Gofman. A tese de Meyrowitz , grosso modo, sugere que o novo meio não somente muda a percepção do espaço, mas também contribui para a mudança de papéis sociais (p.16). Outros trabalhos destacados são as contribuições de Anderson (1983) e Harvey (1994). O primeiro destaca como a mídia impressa contribui para a formação de nações concebidas como comunidades imaginadas, na Europa moderna. Já a analise de Harvey é uma densa exploração da compressão do espaço e tempo para explicar como os meios de comunicação no final do século XX contribuíram para a percepção de um mundo mais encolhido.
Por fim, o livro Media Space, de Nick Couldry, é citado como aquele que antecipa a geografia da comunicação, definindo o espaço da mídia como um domínio conceitual, passando do estudo da representações midiáticas para o emaranhado de escalas espaciais causadas pela produção de espaço. Este cruzamento transcende a oposição entre ritual e transmissão, que passam a ser entrelaçados como processos materiais, simbolicos e imaginativo, configurando as dimensões da Geografia da Comunicação, que seriam: (i) dimensão: politica e ideológica, produzida pelo cruzamento de esferas publicas e privadas, concebidas como local e global; (ii) dimensao tecnológica, que foca diferentes níveis em que a tecnologia modela e é modelada pelas relações sociais e processos comunicacionais; (iii) dimensão textual, que vislumbra como o espaço pode ser materializado pela cultura.
Talvez esta distinção das dimensões da Geografia da Comunicação seja a principal contribuição deste capítulo introdutório. É notável a necessidade de uma exploração mais profunda do que seria a virada espacial nos estudos de mídia, que é aqui definida de modo bem superficial. Percebemos também diversos ganchos para explorações futuras em outros trabalho ajustados ao foco desta disciplina. Por exemplo, uma diálogo mais próximo a outros paradigmas que acenavam para uma relação da mídia com o lugar, como é o caso da computação ubíqua (Weiser, 1991), computação pervasiva (Ark e Selker, 1998), privilegiando a relação das tecnologias calmas (Weiser et alli, 1999) com o ambiente do homem.
Capítulo II: Media Geography: from patterns of difusion to the complexity of meanings
Este capítulo apresenta uma discussão bem menos densa que a estabelecida no capítulo anterior, tentando apresentar parte do debate no campo das Geografias da Comunicação com foco nas mídias massivas. Birgit Stober, professora associada da Escola de Negócios de Copenhagen descreve trabalhos acerca dos meios de comunicação de massa conduzidos por geógrafos, considerados fundamentais para a disciplina proposta no livro. O objetivo é mostrar que os estudos da geografia, quando relacionados às mídias de massa, são influenciados por aspetos técnicos e políticos no âmbito das mass media. O método utilizado Stober é a descrição dos principais avanços em ordem cronológica.
Para relacionar geografia e comunicação de massa, Birgit parte do trabalho de Burgues e Gold (1985) , que distingue os trabalhos entre aqueles que enfatizam o fluxo da mídia e aqueles que focam o conteúdo das mídia. A autora percebe que os geógrafos das mídias com interesse na globalização são preocupados com as consequências econômicas da atividade de midiática multinacional e os impactos sócio culturais na produção e na distribuição de imagens e textos padronizados. Para ela, a geografia das mídias é um campo muito fragmentado, o que dificulta a revisão de literatura. vai tentar apresentar os principais estágios desse desenvolvimento da disciplina (p. 29-30).
Stober inicia sua revisão citando Hägerstrand (1965) e sua abordagem sobre a organização do espaço pelo jornal, onde ele conclui que os padrões de crescimento não são diferentes em escalas. Em seguida, cita a pesquisa de Walmsley em que é conduzida uma analise da informação espacial contida em mídias de massa na Austrália, em 1978, e a proposta da técnica de contagem dos nomes de lugares. Depois de insistir na descrição um tanto insuficiente de trabalhos conduzidos por pesquisadores alemães, Birgit aborda de modo mais profundo a notável contribuição de Relph (1976) em Place and Plaçelessness. Relph não conceitua os lugares como abstrações, mas como fenômenos diretamente experimentados no mundo vivido, repleto de diversidade, sentido e atividades ordinárias. Já outra noção, placelessness, consiste em uma fraqueza da identidade do lugar relacionada å media, ou seja, lugares sem identidade, um labirinto sem fim de similaridades (p.33).
Seguindo em sua revisão, a autora aborda Paasi (1986) e a discussão acerca da especificidade percebida nos jornais, a sua capacidade de criar tempo e espaço próprios na sua realidade social. Já Burgees (1985) diz que os jornais tem capacidade de moldar concepções de nossos ambientes físico, econômico e politico. Mais adiante, Stober destaca que Burgees (1990) propõe o conceito de realidades fabricadas pala ilustrar sua visão acerca as potencialidades dos jornais.
Finalmente, Stober conclui que os trabalhos revisados foram organizados metodologicamente em face das questões relacionadas à difusão espacial de instituições, produtos midiáticos e coberturas jornalísticas. A autora ressalta que que o debate entorno da mídias de massa pode ser dividido em dois polos: um pessimista, que sugere que elas apresentam caráter manipulador; outro otimista, que considera mass media um instrumento esclarecedor.
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