Capítulo 8 – Táticas (Tatics)
Por João Neto
tática (át)
(francês tactique, do grego taktikê, feminino de taktikos, -ê, -ón, próprio para arranjar, para ordenar)
s. f.
1. [Militar] Arte de dispor e de empregar as tropas, no terreno, onde devem combater.
2. [Figurado] Habilidade, jeito para dirigir qualquer situação ou negócio.
[Dicionário Universal da Língua Portuguesa]
A terceira parte (Commomplaces) do livro The Tuning of Place é iniciada com a inserção das táticas de localização no panorama das mídias pervasivas. O autor apresenta as tecnologias (e suas estratégias/táticas) que ajudam as pessoas a se localizarem no espaço, pois são essas tecnologias que informam onde as pessoas e os equipamentos se encontram. Para Coyne, compreender o funcionamento dos mecanismos de localização pode melhorar consideravelmente o projeto e o uso de serviços digitais pervasivos e reforça a importância das mídias pervasivas nos espaços adaptados (tuning places). Para ilustrar mecanismos diferentes de navegação, é feita uma comparação entre o uso do GPS com o simples ato de perambular – ou flanar. Assim, tomamos conhecimento das táticas utilizadas pelas pessoas bem como as características específicas de sistemas de navegação com maior ou menor grau de sofisticação.
De forma resumida, Coyne busca, neste capítulo, responder a seguinte pergunta: como as tecnologias móveis afetam a maneira como as pessoas posicionam a si e seus objetos no espaço?
Práticas operacionais
Na maioria das vezes, somente especialistas e entusiastas se interessam em compreender como os aparelhos de GPS convertem um sinal num ponto no mapa. O funcionamento destes aparelhos é transparente e invisível para a maioria das pessoas. Todavia, nos bastidores, muitos processos, rotinas e práticas operacionais (tais como calibração e tecnologias de navegação) tiveram que ser criadas e/ou aprimoradas ao longo dos anos. São estas práticas operacionais que garantem maior precisão e um tempo de reposta rápido, que por sua vez, irão propiciar avanços nas comunicações. Exemplos destas práticas operacionais podem ser vistos nos serviços de SMS (Small Message Service) e MMS (Multimedia Messaging Service), que (i) são amplamente utilizados, (ii) possuem diversas práticas operacionais para integração de plataformas diferentes, roteamento e filtro de mensagens, determinação de melhores rotas na rede etc., e (iii) têm seu funcionamento – ou práticas operacionais – invisíveis aos usuários.
Após definir a importância da evolução das práticas operacionais e da importância do seu ocultamento/invisibilidade no cenário das comunicações atuais, Coyne faz um resgate dos instrumentos e mecanismos utilizados pelos povos antigos – os navegadores, precisamente – para a navegação marítima. Foi a necessidade de se lançar ao mar em busca de novas terras e mercados que despertou a necessidade de criar representações cartográficas, de definir pontos de localização nos mapas, de calcular distâncias entre os pontos, e de definir termos como longitude e latitude. Os pontos de referência utilizados eram os astros celestes e a direção do vento, e as tarefas eram realizadas de maneira colaborativa: grupos formados por pessoas com habilidades específicas, que observavam, mediam e confrontavam os diferentes resultados encontrados.
Práticas ocultas (Arcane practices)
Em contraposição às práticas operacionais (já absorvida pelos usuários), o autor apresenta o conceito de práticas ocultas (arcane practices), aquelas que poucos (os especialistas) conhecem. Coyne defende que o ser humano não se sente confortável em deixar o controle da sua navegação ou do seu ambiente às máquinas. Mesmo que não tenham um conhecimento aprofundado, até mesmo os usuários leigos preferem ter uma noção superficial do funcionamento dos dispositivos de localização.
Assim, a sugestão é de que o projeto de interação faça referência a tecnologias previamente conhecidas pelos usuários, que se usem metáforas, mnemônicos e padrões de usabilidade. Em se tomando esse cuidado, o resultado será “[…]to enhance people’s confidence in technological and organizational processes” (1).
Location aware
Nesta seção, o autor destaca o papel do GPS no cenário das mídias pervasivas (e das sociedades contemporâneas, a bem da verdade) como emblemático, pois com os seus satélites, este serviço pode montar a “world picture” de Heidegger. O usuário utiliza uma metáfora baseada na imagem do planeta, para se apropriar da “visão” do satélite, e assim criar uma representação visual precisa e poder navegar por dados geoespaciais.
As tecnologias GPS – com sua escala, escopo, e conceitos – se conectam às nossas ontologias e lidam com questões elementares do ser humano: onde estamos, como nos orientar/mover no espaço, e como está configurado/disposto o nosso entorno. Segundo o autor, “orientation in the world relates to human practices of pointing, positioning, placing,connecting, naming,and tagging” (2), o que nos remete ao sentimento de thrownness e being-in-the-world de Heiddeger.
Por outro lado, o serviço de GPS aumenta a tensão entre segurança e vigilância. Tanto a precisão, quanto a margem de erros deste serviço aumentam a ansiedade das pessoas em estarem sendo controladas ou de estarem seguindo rotas equivocadas (como, de forma mais grave, as rotas de aviões).
Getting a Fix
Em seguida, Coyne descreve o funcionamento dos serviços de GPS: como os pontos são fixados em termos de coordenadas, os eixos de referência da Terra (latitude, longitude e altitude), o posicionamento dos satélites ao redor do planeta e o percurso do sinal neste sistema de localização e posicionamento.
O autor tece comparações entre a navegação marítima antiga e o sistema de posicionamento por GPS. Como diferenças, são citadas: os corpos celestes são vistos a olho nu, ao contrário dos satélites (exceto em raras situações); os corpos celestes já se encontram no seu lugar e possuem movimento próprio, enquanto que os satélites foram colocados pelo homem e possuem seus movimentos e órbitas controladas. Enquanto que as semelhanças: ambos necessitam de convenções e “almanaques” que registram a posição dos objetos no céu.
Walking
Ao navegar, independente da ferramenta utilizada, o que o usuário quer mesmo é deslocar-se de um ponto a outro de maneira eficiente e segura. Dessa forma, o tempo gasto e a distância percorrida podem parecer num primeiro momento como restrições. Mas, pode também ser encaradas com prazer, possibilitando aproveitar de diferentes formas o movimento, ou a viagem.
Coyne então contrapõe a forma planejada (rotineira, operacional) de se locomover de um ponto a outro, e a forma desintencional, aquela em que o indivíduo se deixa levar, correspondente à flanerie. O caminhar é identificado como uma ação coletiva, em que os indivíduos se identificam (o mesmo ritmo dos passos), ou se isolam uns dos outros (ritmos diferentes de passos, ou ainda, usando fones de ouvidos para imergirem no seu caminho individual). Muitas convenções sociais podem ser identificadas a partir da observação do ato de caminhar (o caminhar rápido simboliza o atraso; crianças devem caminhar acompanhadas; grupos de pessoas conversando e caminhando). Portanto, para o autor, o ato de caminhar é uma oportunidade para se utilizar mídias pervasivas para socializar, estabelecer contatos entre pessoas, e registar os passos de quem passou por determinados lugares.
Walking Nowhere
Para concluir o capítulo, o autor traz à tona uma última questão: será que as mídias pervasivas (com o mapeamento, tagging, definição de rotas, e location awareness) ameaçam a criação de significados para os lugares?
É o ato de caminhar que territorializa o espaço (atribuindo nomes de ruas, abrindo novas vias – ou mantendo as vias abertas). Mas, são também as estratégias do caminhar que definem os non-spaces, lugares inabitados, públicos, dos outros. Navegar por esses non-places, implica em desconfiança, levando o indivíduo a assumir outra identidade (diferente da identidade assumida nos lugares apropriados por ele). A importância disto para as mídias pervasivas é que
“interactions with pervasive media seem increasingly to rely on negotiations between how individuals are constituted in any particular circumstance and who they choose to be, and whether they want their identities visible or invisible” (3).
Assim, Coyne demonstra que a navegação e o movimento são ações que exigem táticas, mesmo que inconscientes. As mídias pervasivas podem ser usadas como elementos aliados na definição dessas táticas, considerando os pontos positivos e as limitações que seu uso pode trazer.
Notas:
1 COYNE, 2010. p. 148
2 COYNE, 2010. p. 152
3 COYNE, 2010. p. 162