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Fadiga algorítmica: quando a Geração Z cansa das próprias trends

A Geração Z está cansada das próprias trends. Pelo menos é o que aponta uma recente matéria do New York Times republicada pela Folha, que identifica uma espécie de fadiga diante da velocidade cada vez maior das modinhas que surgem e desaparecem nas redes sociais. Esse esgotamento não é apenas geracional, mas estrutural: resultado da plataformização da cultura, onde o desejo de engajamento é capturado, amplificado e rapidamente exaurido por arquiteturas algorítmicas que operam em ciclos cada vez mais curtos.

As tendências emergem e desaparecem em um fluxo contínuo: clean girl, messy girl, no-makeup make, mob wife aesthetic, Anxiety viral dance, acessórios efêmeros como as garrafas térmicas gigantes em tons pastéis, livros de colorir do Bobbie Goods ou até hábitos passageiros, como a obsessão por salada de pepino e vídeos ASMR[1]. Não há pausa: a cada semana, novos objetos e estéticas capturam a atenção apenas para logo serem descartados. A jornalista Callie Holtermann ainda menciona os aceleradores do ciclo de tendências e as funções clique-para-comprar, do TikTok Shop, que parecem encurtar o tempo entre ver e desejar um produto e tê-lo na porta de casa, quase sem ponderar a real necessidade de ter daquilo.

Plataformas como TikTok, Instagram e YouTube não são meros veículos de conteúdo, mas agentes ativos na produção de desejos e na obsolescência acelerada. Elas não apenas capturam tendências, mas as projetam estrategicamente, acelerando seu ciclo de vida e amplificando sua circulação até a saturação. O que viraliza não é fruto apenas da vontade coletiva, mas da performatividade algorítmica que reorganiza o fluxo da atenção e retroalimenta o ciclo de consumo. Cada interação – um like, um compartilhamento, um comentário – alimenta mecanismos preditivos que ampliam a circulação de determinados formatos até que percam a eficácia e sejam descartados.

A lógica do For You Page no TikTok e dos sistemas de recomendação em outras plataformas exemplifica essa dinâmica: ao identificar padrões de interesse, a plataforma multiplica conteúdos similares, promovendo uma hiperexposição que rapidamente leva à saturação. O resultado é um consumo cultural em modo fast-forward, onde cada trend já nasce com data de validade, tornando a experiência estética e o pertencimento digital descartáveis.

Essa fadiga não é apenas um esgotamento subjetivo, mas um sintoma da intra-ação entre humanos e infraestruturas digitais. A Geração Z não está simplesmente “se cansando”, mas sendo modulada por um ecossistema que intensifica e descarta desejos em ciclos acelerados. O tédio, a ansiedade e a exaustão não são efeitos colaterais acidentais, mas produtos imanentes dessa lógica de modulação. Tendências – sejam estéticas, memes ou áudios – não surgem espontaneamente; elas são performadas por interfaces, cálculos preditivos e lógicas de engajamento que automatizam sua ascensão e obsolescência. Plataformas moldam afetos, ritmos e percepções do tempo – instaurando uma sensação de urgência constante, como se cada nova trend fosse uma chance única de pertencimento.

Neste panorama, usuários não são apenas espectadores, mas coprodutores dessa exaustão, ajustando-se continuamente às dinâmicas impostas pelos algoritmos. O desejo de engajamento não é uma propriedade estritamente humana, mas algo distribuído em uma rede que inclui métricas, sistemas de recomendação e modelos de monetização. O que está em jogo não é apenas o cansaço diante das trends, mas uma subjetividade constantemente reorganizada por infraestruturas digitais que operam no limite entre a hiperexposição e o descarte.

Esse ritmo acelerado de surgimento e desaparecimento de tendências intensifica estados de ansiedade e instabilidade, especialmente entre jovens que buscam pertencimento e reconhecimento em meio a fluxos algorítmicos que não cessam. A subjetividade se vê pressionada a acompanhar um tempo que não é mais humano, mas maquínico – regulado por métricas, atualizações e impulsos de virabilidade.

Se antes a crítica ao consumo rápido mirava o fast fashion, hoje lidamos com um fast trend, onde a experiência estética, o pertencimento cultural e até a própria subjetividade são comprimidos pelo tempo algorítmico. Quando tudo se torna obsoleto em questão de dias, resta a dúvida: o que acontece com a construção identitária quando o desejo é capturado antes mesmo de se consolidar? Se a subjetividade é constantemente ajustada às novas modinhas, será que ainda há espaço para um desejo que não seja pré-formatado pelo algoritmo?


[1] As trends citadas referem-se a estéticas e comportamentos populares no TikTok: clean girl (visual minimalista e “limpo”), messy girl (estilo despojado e caótico), no-makeup make (maquiagem que imita o rosto sem maquiagem), mob wife aesthetic (visual exagerado e chamativo inspirado em esposas de mafiosos). Também são listadas práticas de consumo impulsionadas pelo TikTok, a exemplo da compra e publicação do processo de pintura dos livros da série Bobbie Goods; vídeos de Autonomous Sensory Meridian Response (ou Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano, em português) – que são publicações que pretendem distrair e relaxar o cérebro através de sons; e, uma receita viral de salada de pepino preparada numa tupperware.