por Macello Medeiros
Pesquisador Doutor no Lab404)
Lendo um artigo de 2012 sobre as smart cities de autoria do sociólogo Richard Sennett, intitulado “No One likes a city tha’s too smart” e buscando compreender a crítica do autor em relação a este tipo de “inovação tecnológica urbana”, não pude deixar de fazer uma comparação com o conceito latouriano do “script”. Neste artigo, Sennett critica fortemente a criação das cidades inteligentes a partir do “zero”, ou seja, cidades que são pensadas e planejadas para surgirem como uma autêntica smart city. Para entender o tom da crítica, o autor logo no início dispara de forma bem irônica, um agradecimento à revolução digital que possibilitou colocar as cidades sob um controle total, mas questiona se isso seria “uma coisa boa”…
A ideia de uma cidade totalmente controlada por um “cérebro” ou um comando central que, para isso, utiliza tecnologias de regulação e monitoramento, determinando que as atividades tenham “lugares e tempos apropriados” deixam Sennett um tanto cético quanto a “inteligência” dessas cidades. Nestas smart cities, ao invés da população criar seu próprio “menu”, ela seguirá uma sugestão pré-definida, orientando onde comprar ou onde conseguir um médico, onde dormir e a que horas as pessoas devem sair das lojas e escritórios, tudo baseado em cálculos que levam em conta os dados gerados por diversos tipos de sensores e smart grids espalhados pelas cidades.
Portanto, estas smart cities que são totalmente planejadas e construídas do “zero” oferecem à população um roteiro pré-definido para que os cálculos e previsões sejam acertados. São cidades-scripts. Para Latour, os scripts são inscrições ou forma de mediação e de tradução, a partir das quais é definida uma associação. A forma como as cidades de Songdo, na Coréia do Sul, e Masdar, nos Emirados Árabes, estão sendo construídas com base numa realidade orientada pela noção generalizada de uma smart city (devem ter tais e tais tecnologias para regulação e monitoramento, etc.), ou seja, uma “instauração” da realidade.
No caso do artigo de Sennett, quando o autor apresenta as controvérsias na construção de uma cidade inteligente totalmente do “zero”, ocorre uma descrição para que sejam abertas as caixas-pretas instauradas pelos scripts. O modelo do Rio de Janeiro, um exemplo de cidade inteligente, mas que, contudo, não segue totalmente um script, mostra o outro lado da controvérsia. No Rio, as ações são orientadas, não por um “menu” pré-definido, mas por índices de criminalidade e pluviométricos das região suscetíveis à desastres provocados pelas chuvas torrenciais. Contudo, mesmo partindo de orientações externas, ou seja, dados coletados na cidade, para Sennett, este ainda não é o melhor exemplo de cidade. Cidades devem refletir a vida real, abertas às mudanças, incertezas e confusões… sem scripts!
Referências
LEMOS. A. Comunicação das Coisas: Teoria ator-rede e cibercultura. São Paulo: Annablume, 2013.
SENNETT, R. No one likes a city that’s too smart. The Guardian. 04 de dezembro de 2012. Disponível em: http://www.theguardian.com/commentisfree/2012/dec/04/smart-city-rio-songdo-masdar Acesso em 15/04/14